sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Amor Platônico de Eduardo Loureiro Jr.


Por Maryy

Hoje não vou postar algo meu, mas irie compartilhar uma crônica que eu achei muito interessante.
Espero que vocês entram na história assim como eu me envolvi com ela, e se supreendam assim como me supreendi com o final.
Então, boa leitura!


Amor Platônico de Eduardo Loureiro Jr.

Existe um lugar onde tudo ainda é possível...

Quando eu tinha dez anos, era apaixonado por uma garota alguns anos mais velha. Na época, a diferença de idade — associada à minha timidez — fez com que o amor fosse completamente platônico. Com o passar do tempo, melhorei da timidez e a diferença de idade foi perdendo importância, mas, por um motivo ou por outro, a paixão continuou platônica por um bom tempo e, depois, se dissolveu entre tantos amores de parte a parte. Mas surpreendentemente, e de uma hora para outra, as coisas mudaram...

Ontem, trinta anos após o início da paixão, justamente na semana de meu aniversário de 40 anos, eu a reencontrei. Eu tinha ido a uma exposição de desenhos do ilustrador de meu primeiro livro para crianças. Uma exposição magnífica que, além da qualidade dos desenhos, tinha uma atmosfera mágica. O curador havia conseguido organizar não apenas o espaço, mas também o tempo. Em alguns momentos, cheguei mesmo a ter a sensação de que não estava no presente, ou de que o presente em que eu estava não era o mesmo em que eu estivera instantes antes. Sou capaz de jurar que voltei no tempo, e me percebi sentado novamente na sala de espera do prédio de minha primeira editora, evitando demonstrar que eu estava muito feliz por ter meu primeiro livro publicado.

Foi na saída da exposição que a encontrei. A antiga garota dos meus sonhos — que eu também já havia visto moça e jovem — agora era uma mulher madura e não lembro de tê-la visto tão linda antes.

Talvez ainda contagiado pelo clima transtemporal da exposição, senti-me novamente com 10 anos, completamente apaixonado, embora mantivesse a consciência de que não éramos mais crianças. Quando a vi, cheguei a lembrar de um pensamento insistente que eu tinha há alguns anos, quando era casado com uma mulher com a qual pensava que passaria toda a minha vida. Mesmo bem casado — e contente —, de vez em quando eu pensava: "Jamais serei realmente feliz se não namorar fulana pelo menos uma noite". Uso o verbo namorar, aqui, não como eufemismo para o verbo transar ou para a expressão fazer amor. Eu desejava mesmo ser seu namorado, andar de mãos dadas, tomar sorvete, puxar-lhe pela cintura, declarar-me, beijar-lhe e, claro, fazer amor. Passou tanto tempo que até esse pensamento recorrente se foi, mesmo o casamento — que era pra ser eterno — tendo fim. E eu namorei uma série de outras mulheres, esquecido dela.

Até que a vi sentada naquele sofá de couro azul à saída da exposição. O sofá era tão belamente azul que parecia pintado por meu ilustrador, e fazia tudo em volta parecer preto e branco. Ou quase tudo. Os olhos dela, castanhos, também tinham o mesmo brilho que empalidecia todas as demais cores.

Quando ela me viu, falou tão baixinho que eu interpretei como um convite para me aproximar. Sentei na pontinha do sofá, enquanto ela deslizou no couro, apoiando a cabeça no encosto. Com uma voz quase inaudível, mas que, paradoxalmente, abafava todos os ruídos do saguão, ela começou a se declarar para mim. Eu, completamente surpreso, escutei meu grande amor platônico, a mulher dos meus sonhos, dizer que há muitos anos era apaixonada por mim, que lamentava nunca termos ficado juntos. E, incerta sobre se eu estava ou não me relacionando com alguém, ela me pediu — num tom de súplica — que, da próxima vez que um relacionamento meu terminasse, eu a procurasse, que eu desse uma chance para nós dois.

Não acreditei. Era bom demais para ser verdade. Pedi que ela se endireitasse no sofá, que olhasse fixamente em meus olhos e me explicasse que brincadeira era aquela. Ela se pôs ereta e repetiu tudo, não no mesmo tom de súplica, mas quase como quem exige um direito. Eu já não tinha dúvidas. Acreditava. Mesmo assim, dividi com ela um longo silêncio, como se — apenas olhando um no olho do outro — repassássemos toda a nossa vida, todo o nosso desejo calado um pelo outro durante todos esses anos.

Era a hora perfeita para o beijo. Fechei meus olhos — e ainda pude vê-la também fechando os seus. Inclinei levemente meu rosto e fui em sua direção.

Mas seus lábios pareciam não chegar nunca, nunca... e voltei a abrir os olhos.

Não havia desenhos nem sofá — nem mesmo ela. Meus olhos piscaram até admitir que eu estava em meu próprio quarto, olhando para o teto. Fechei os olhos com força, como se apertasse um botão emperrado de uma máquina do tempo, como se ainda fosse possível viajar conscientemente para um lugar onde tudo é possível — o mundo dos sonhos.


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